domingo, 3 de agosto de 2008

O meu pai e os aviões (Luanda 1964-1968)

Em 1964 fomos para Luanda, não para fugir à zona de guerra do Ambriz, pois o pior já tinha passado mas porque o meu pai abarcou um projecto de trabalho mais aliciante e compensador junto da União Comercial de Automóveis do Mota Veiga. O "bichinho dos aviões", abandonados a outra sorte no Ambriz, começou a roer. O meu pai ofereceu-se para servir na FAV - Força Aérea Voluntária onde foi aceite coma patente de tenente aviador e assim pode matar 3 vontades - a de continuar a pilotar (pois as "horas de voo" fazem sempre falta para manter o "brevet" revalidado), a segunda vontade foi de continuar a servir o exército e a terceira foi a de acabar por se encontrar, muitas vezes, com os mesmos militares mas aí já estavam todos sob a mesma farda - era uma festa cada vez que aterrava em ZO's.

O meu pai com um Auster da FAV e com outro colega piloto. Os Auster da FAV voavam em formação de 2 aviões cada vez que saíam em serviço.
Uma imagem recorrente no Norte de Angola - a evacuação de feridos das ZO´s para os hospitais das cidades mais próximas

Em Luanda junto a um Dakota - eu, Jorge, Lopo e Eduardo Duarte (meu to Dadinho)

O meu pai e os aviões (Ambriz 1961-1964)

Em 1961 fomos viver para o Ambriz, no auge do rebentamento da guerra colonial. O primeiro hangar das avionetas do Aero Clube do Ambriz era ao lado da minha casa!!! Depois foi construído um hangar condigno para recolher os dois Auster existentes os quais foram baptizados de "O Desejado"- o CR-LFD, talvêz por ser o avião mais querido dos pilotos, e o outro foi baptizado de "Kaúlza de Arriaga" -o CR-LFN, numa homenagem que a política de então quis fazer a esse militar de alta patente.
O meu pai trabalhava no Ambriz como contabilista e não podia ficar indiferente aos militares que ocuparam o Ambriz - muitos sem "saber ao que iam". Como as acomodações no quartel eram precárias, o meu pai ofereceu a sua casa a muitos oficiais militares, normalmente aqueles que levaram as esposas para Angola. Fizeram-se então muitas amizades mas infelizmente, interrompidas com o regresso desses militares quando chegava o fim da comissão. O meu pai sentiu a necessidade de apoiar quem o apoiava, neste caso a tropa portuguesa que estava ali a defender território português em condições deficientes mas impostas pelo regime de Salazar. Então os dois Auster do Aero Clube, com o meu pai como piloto, fizeram inúmeros serviços para o Exercito Português, nomeadamente a evacuação de feridos das ZO's (zonas operacionais) para Luanda, transporte de víveres e de correspondência aos militares em ZO's. Os aviões também traziam algo inapalpavel as soldados deslocados - um sentimento de segurança e de poderio sobre o inimigo. Muitas das pistas em ZO's eram feitas pelos próprios soldados, que desbravavam mato e alisavam o chão de terra para possibilitar as aterragens. As aterragens e as descolagens dos aviões eram feitos com os soldados a ladearem a "pista" improvisada com as armas apontadas ao mato.
Possuo uma carta do Comando Militar de Angola a elogiar e a agradecer os serviços prestados pelo meu pai ao Exército Português.
Naturalmente o meu pai criou muitas amizades no seio da tropa e , se se lembrava de alguns comandantes não se lembraria de todos os militares, pois o piloto era só um e os militares eram muitos. Era mais fácil serem eles a lembrarem-se da sua cara. Daí que, em 1976/1977, quando o meu pai trabalhava em Lisboa, era muitas vezes abordado na rua e no Metro por ex-combatentes que o cumprimentavam com alegria entabulando, logo ali, conversações animadas sobre o passado conjunto nas "matas do inferno".


Os irmãos Fernando, Jorge, Lena e Kady Duarte (eu) posando ao lado de "O Desejado"
Fernando, Kady, Jorge e Lena, novamente com "O Desejado"

Fernando Duarte (1959-1998) posando ao lado do Auster

O "hangar" improvisado ao lado da nossa moradia no Ambriz

O hangar do Aero Clube do Ambriz, construído mais tarde

Pista Três Marias inaugurada pelo meu pai em 09-05-1964

O meu pai na pista improvisada no Quixico com o avião "Kaúlza de Arriaga"

O meu pai na pista improvisada Furriel Dantas com o avião "Kaúlza de Arriaga"

O meu pai e os aviões (Moçâmedes 1956-1961) (1)

O meu pai João Carlos Guedes Duarte, também conhecido em Moçâmedes por "Jinho" começou a voar em 1956 e teve licença para pilotar aviões - o popular "brevet" - em 1958. A sua madrinha de voo foi a Celísia Calão, uma senhora lindíssima, aliás lugar comum em Moçâmedes, pessoa que tive o prazer de reencontrar em Portugal continental, pois deu-se a feliz coincidência de a Celísia vir a ser colega da minha mulher na CGD em Lisboa. Foi a Celísia que deu o banho de baptismo de "brevet" ao meu pai com o tradicional balde de água pela cabeça abaixo.
O meu pai começou por voar em Moçâmedes, com os aviões do Aero Clube local, tendo participado com boas classificações em diversos "ralis aéreos". Mais tarde acabou por adquirir um Tiger Mouth àquele Aero Clube com o qual fez inúmeras acrobacias aéreas e outras peripécias - desde aterrar na praia a colocar o passageiro a vomitar (diga-se situação um pouco incómoda até para o piloto) porque o Tiger "4 asas" não tinha carlinga e o passageiro viajava, por norma, no lugar da frente. Lembro-me do meu pai me contar que, de vez em quando perdia ferramenta e haveres, deixados por descuido dentro do cockpit, quando se punha a fazer "loopings" e "tonneaux". Quem me lê conhece bem o meu pai e sabe do que ele era capaz de fazer de um avião. Quando cheguei a Portugal (em 1976) vivi por breves meses em Vidago e aí encontrei alguns ditos "retornados" que me contaram peripécias do meu pai com o Tiger que eram desconhecidas na família. Um desses senhores contou-me que o meu pai ia buscá-lo à Baía dos Tigres só para ele ir jogar futebol a Moçâmedes ao domingo e ele (futebolista) perdia mais peso na viagem (tais eram as acrobacias) do que durante todo o jogo!!! Na Baía dos Tigres os aviões aterravam na avenida principal e recolhiam-se ao pé da igreja, onde eram amarrados tal eram as ventanias e tempestades de areia. Como se sabe, os aviões levantam sempre contra o vento e nos dias de vento forte punham-se dois sipaios de cada lado das asas a segurar as mesmas enquanto o avião não tomava aceleração para não levantar antes do tempo!!!Esse Tiger Mouth (prateado) CR-LCN foi , mais tarde destruído em acidente tido pelo meu tio Mandinho (Armando Guedes Duarte) também ele piloto - fez um "cavalo de pau" e partiu a hélice e deslocou os apoios do motor.
Vou "postar" aqui as poucas fotos que tenho de Moçâmedes (são só duas) mas prometo, para futuro breve divulgar aqui alguns filmes em 8mm, ou fotos deles extraídas, onde se podem apreciar os ralis aéreos com aviões do Aero Clube de Moçâmedes de outras cidades angolanas e alguma acrobacia aérea no Tiger Mouth.






O Tiger Mouth do meu pai - o CR-LCN - com os meus irmãos Lopo (atrás a "piloto") e o Jorge (`frente a "passageiro")
Avião do Aero Clube de Moçâmedes - da esqª para a dtª - o meu pai, o Fragoso, o meu tio - Armando Guedes Duarte (Mandinho), e o Matos